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tretas&companhia @@@

2006-08-17

DIVULGAÇÃO

Imagem de antero paiva (blog angolasaudaes)

Miriam Assor publicou no �Correio da Manhã� do ultimo domingo, um trabalho a que deu o nome de �A casa da vergonha� e onde aborda a questão do �Regresso dos antigos combatentes�.

São antigos combatentes da Guerra Colonial. Regressaram dos campos de batalha em Africa mutilados no corpo e na alma. Vivem em situação degradante no Lar Militar da Cruz Vermelha.

A porta de vidro � opaca. Finge estar fechada. Abrimo-la com a mesma facilidade como se estivesse descaradamente aberta. Entramos no Lar Militar da Cruz Vermelha, sediado na Avenida Rainha Dona Am�lia, fundado, garante a placa, em 1971. Na recepção, um indiv�duo interrompe uma c�dea com manteiga para nos atender. Pede-nos o Bilhete de Identidade. Promove-nos a �doutores�. Preferimos os nomes a t�tulos. Ele gargalha.

O resto do mini-lanche apressa-se no est�mago para mostrar lucidez: chama-se Manuel. � angolano. Por sorte, vive. Sorte. Coisa rara em Angola. O barco onde seguia afundou-se. O mar engoliu todos os ocupantes, �menos eu. Menos eu.� Duas vezes para ter a certeza que ainda permanece no reino dos vivos. A guerra n?o lhe roubou os bra�os, n?o lhe amputou as pernas. Corre e abra�a. Mas, a contenda, esse choque de sangues, matou-lhe o que n?o nos quer dizer.

�J� vivi neste lar.� Alivia a lembran�a. Quando a sua estadia expirou o prazo, teve que mudar de poiso.

Enquanto traz de volta as balas e os tiros que ouviu e viu em �frica, as cadeiras de rodas parecem presen�as divinas; est?o em todos os lados. S?o guiadas por homens de semblantes iguais. Rostos desmaiados. Com dores e segredos que, ? partida, ser?o id?nticos, ou com o mesmo fio doloroso. Seguimos o estrupido do comando das rodas. Manuel faz as honras da casa: enuncia as alcunhas dos deficientes. Num �pice faz o historial da trag�dia f�sica de cada um. Seguidamente, fala da sua. Mas n?o pode adiantar mais. �� confidencial. Eu tamb�m fui militar.�

A luz n?o consegue furar o espa�o. Estamos num corredor cinzento. Um corredor com vivos mortos. Passamos por portas com ma�anetas irregulares. Portas fechadas. Outras, nem por isso. Vemos: quartos. Cabem tr?s camas. T?m televis?es desligadas. Fotografias t?o antigas que rejeitam a moldura. O sil?ncio deixa cair sempre um sonido, menos no Lar Militar da Cruz Vermelha. Ningu�m abre a traqueia. Ningu�m geme. Aqui, neste beco do mundo, ningu�m tem nome. Pode-se entrar e sair sem ningu�m dar por isso. Sem que ningu�m se importe com isso.

O Governo que pretende proibir a nicotina nos restaurantes e nas discotecas, nesta resid?ncia n?o ter� hip�tese. Cigarros. Fumo. � n�voa ass�dua.

No refeit�rio, no canto de uma prateleira de madeira, jazem garrafas e garraf?es de vinho, vazios ou por abrir. Um c?o de cor indefinida pastoreia na sala. N?o ladra. Uma maca encaixou bem de frente ao televisor. Um militar, provavelmente o mais jovem dos internados, estava a servir Portugal numa comiss?o da ONU e um acidente de carro laminou-lhe os sentidos. Entret�m o t�dio com o vai-e-vem do ecr?.

S?o cinco da tarde. A mesa para o jantar est� pronta. P?o num saco de pl�stico. Jarros brancos tapados com guardanapos l�vidos. Destapamo-los. L� dentro vive vinho, �Briol tinto que � o mais eficaz para suportar a noite�, afian�a quem se recusa a revelar identidade. �A comida da janta � peru.� Mas tanto lhe faz a ementa de hoje e de h� trinta anos.

Os bra�os e as pernas pararam antes dessa aritm�tica. A medula quebrou em �frica. A culpa n?o foi da p�lvora. As minas n?o foram as culpadas. �S� pelo que vi fiquei assim.� �S� s?o os horrores que presenciou e que lhe desencadearam ataques epil�pticos. �Mas n?o quero falar disso.� A sua voz prende-se. Da garganta quer sair um choro. Ele n?o permite. Acciona a primeira mudan�a. A cadeira arranca e fica como todas as que resistem na sala: virada para a janela num doloroso abandono.

Algu�m faz sinal com os olhos. Cumprimos a discri�?o. Vamos at� ? ponta do sal?o. Um saco a transbordar de totolotos e Euromilh?es preenchem a mesa. Saiu ileso do combate em �frica. � reformado banc�rio. A reforma de mil euros vai absoluta para o lar. Adormeceu ao volante e o corpo n?o aguentou o embate. �Bebe-se muito. Aqui bebe-se muito!� Para esquecer ou para aguentar o arco do ponteiro do rel�gio. Para o que seja, a bebida faz a vez dos analg�sicos e alivia os socos do tempo velho.

�Um dia eu contarei tudo o que se passa c� dentro.� Um dia que podia ser j�. Mas, cheg�mos fora de horas. �Um dia. Hoje n?o.�

Manuel largou o seu posto e aparece ? nossa beira. �V?o ao quarto n.? 5. Falem com o Bento.� N?o nos esquecemos: confidencial. E agradecemos a confian�a.

Os corredores, afinal, tamb�m s?o labirintos de escurid?o. E para agravar o mapa, a numera�?o dos compartimentos � aleat�ria. Enquanto procuramos uma bendita porta que tenha o n�mero cinco cravado na ombreira, deparamo-nos com a casa de banho. Aberta. ?s claras. Uma criatura tenta a custo fazer um gesto simples. Em v?o. O corpo n?o obedece. Ajudar � algo urgente. A cadeira com rodas milagrosas diz-nos que n?o: vira-nos as costas.

Aceleramos o passo. O c?o fugiu do corredor. Continua sem latir. Talvez tenha pressentido qualquer coisa. Temos vergonha de poder fazer essas coisas simples. Temos vergonha deste cemit�rio do�do. Fazemos a curva coxos de humanidade. A vergonha n?o arreda p�.

At� que enfim que, nesta mans?o derrelicta, esbarramos com um empregado. Vem de cigarro pendurado nos dedos.

? parte da senhora que cuidava do prematuro jantar, os empregados, m�dicos, enfermeiros, s?o invis�veis. Devem ter hibernado. Da� a surpresa. A pron�ncia do Leste sai seca. Bol�a ordens: temos que esperar para ir ao referido quarto cinco. � o que fazemos. Depois, quando a impaci?ncia se torna atrevida, batemos ? porta. �Fa�am o favor de entrar.� � o Bento. Uma mulata de bata branca leva--lhe a sopa ? boca.

Brincamos com o privil�gio: tem uma miss s� para ele. O riso traz-lhe saudades e orgulho. �Estou aqui, j� faz uns pares de anos.� Combateu em Angola, �faz outros pares de anos.� O tempo, a dura�?o de quando e como foi, quem estava e n?o estava, n?o fazem falta para uma conversa.

Na sua dianteira, um espelho emite o presente. Debaixo dos len��is, repousa inquieto um f�sico autista. Combatente em Angola. Entre 1965 e 1968. Uma garrafa enxuta de Porta da Ravessa faz de bibel�. �Fui soldado em Angola. Mas n?o quero falar disso.� Angola � a palavra de ordem. Uma fotografia pendurada na parede ilustra os anos em que podia conduzir o carro m�gico: cadeira de rodas. Se gosta, ou n?o, de estar internado no Lar, em nada lhe altera a rota. Aqui est� e aqui ficar�. A mem�ria n?o traz sa�de.

Encaminhamo-nos para a sa�da. Trope�amos com o gelo da casa de banho. A impossibilidade humana n?o sofreu muta�?o. Um homem de laringe muda, v?-nos e desiste. O fragor agudo do motor manda mais do que tudo. Os empregados ter?o ido mesmo de f�rias. Um negro de cabelo grisalho n?o se separa da proximidade. As pernas voaram, mas os m�sculos dos bra�os rodam o assento.

Manuel est� no seu posto � a entrada. Olha afincadamente para um frasco de perfume. N?o sabemos a raz?o, nem ele. Mas sem querer, aquele odor anestesiou o bafo de solid?o e de esquecimento que traz�amos do interior. �� confidencial.� Nem tudo. Como as tr?s folhas onde est?o inscritos vinte e um doentes. O voc�bulo tetrapl�gico ganha em incondicional maioria.

As promessas cumprem-se. Volt�mos num domingo. Dia da folga de Manuel � fraca pontaria. Este porteiro pertenceu ? Pol�cia. O ritual n?o sofre altera�?es. O Bilhete de Identidade � o passaporte. J� fint�mos o labirinto. No corredor esvaziado de luz, as caras reconhecem-nos. Os homens sem asas d?o as boas-vindas: n?o viram as cadeiras de rodas. A m?e do militar que viu a sua coluna esmigalhada numa miss?o na ONU, d� de fumar ao filho.

O futebol expele os dois �t?s�: o da timidez e o da tristeza. O c?o teima em n?o ganir. O �lcool nos copos escondidos e nas veias fazem a rotina. Milagrosamente, a dic�?o ucraniana amoleceu. Abra�a-nos com um cotovelo.

Decor�mos o ex�lio de Bento, esse quarto com o algarismo cinco que tem um espelho a reflectir o calend�rio. O Bento � o �nico que n?o rasgou o di�rio. Hoje, o passado, apesar de continuar em carne viva, larga mais eco. Em 1968, quando estava pronto para regressar ao seu Algarve, uma bala atingiu-lhe a liberdade motora. No dia 7 de Mar�o a vida estremeceu. De Angola veio para Portugal numa maca. Veio metade. �� assim.� Cortamos a m�goa. Distra�mos a m�cula com a aus?ncia da Porta da Ravessa. �Nem todos os dias s?o dias. Mas gosto. Temos que fazer alguma coisa.� Indagamos se � costume receberem visitas de representantes do Estado portugu?s ou de dirigentes da Cruz Vermelha. O sim sai-lhe a saca-rolhas. �N?o me ponha em barulhos.�

No caminho para a fronteira da humanidade � o acesso para sair do Lar Militar da Cruz Vermelha � l� estava a casa de banho abandonada com gente abandonada a viver num dep�sito. Os nossos p�s pesam e aceleram. Ainda na sa�da, cruzamo-nos com o amante dos jogos de sorte. Ganhou nove euros. A fam�lia foi para a terra.

Ele ficou ali. Insiste no que anteriormente nos disse: �Um dia eu conto tudo o que se passa nesta casa. Ainda n?o � hoje. Repare nestas paredes. Est?o imundas. N?o temos ningu�m.� Do seu bolso caem duas am?ndoas. S?o nossas. Deixamos a porta aberta.

DATAS COM HIST�RIA

GUERRA DO ULTRAMAR (1961-1974)

O per�odo de confrontos entre as For�as Armadas Portuguesas e as for�as organizadas pelos movimentos de liberta�?o das antigas regi?es ultramarinas de Angola, Guin� e Mo�ambique.

REVOLU�?O 25 DE ABRIL DE 1974

Arquitectado e realizado por militares das For�as Armadas Portuguesas, edificaria, sob a direc�?o do Movimento das For�as Armadas uma �poca revolucion�ria que converteria definitivamente o Estado e a sociedade. Embora muitos factores tenham contribu�do para a Revolu�?o dos Cravos, a Guerra Colonial foi, desde sempre, apontada como a fundamental justifica�?o para o fim do Estado Novo em Portugal.

ASSOCIA�?O DOS DEFICIENTES DAS FOR�AS ARMADAS (ADFA)

No contexto da Revolu�?o de Abril de 1974, foi constitu�da a Associa�?o dos Deficientes das For�as Armadas. Esta institui�?o teve como primeiro acto a apresenta�?o ? Junta de Salva�?o Nacional de um conjunto de princ�pios reivindicativos, que admitiam a presta�?o de servi�os de apoio aos associados, desde os processos burocr�ticos e administrativos, aos cuidados de sa�de, reabilita�?o f�sica e integra�?o social. A ADFA tem mais de 13.500 associados, apesar de algumas estat�sticas apontarem para os 25 milhares, durante os 13 anos de guerra. Em rela�?o ao stress de guerra, a ADFA estima n�meros muito superiores aos apontados pelas fontes oficiais (560).

LAR MILITAR DA CRUZ VERMELHA

Estabelecido a 24 de Junho de 1971 sob a responsabilidade da Cruz Vermelha Portuguesa e tutela do Minist�rio da Defesa Nacional, com o apoio da C�mara Municipal de Lisboa e da Funda�?o Calouste Gulbenkian. Constitu�da como Institui�?o Particular de Resid?ncia Permanente para indiv�duos adultos do sexo masculino com defici?ncia motora grave devido a causa traum�tica inerente ? sua carreira militar.

A TRISTE HIST�RIA DE UM ASTRONAUTA

Na juventude, os amigos chamavam-no �astronauta�. Ep�teto justo e apropriado ? data do seu nascimento: 16 de Julho de 1969, dia e ano em que o norte-americano Armstrong se tornou num homem sobejamente c�lebre no Mundo inteiro por ter sido o primeiro homem a pisar o solo lunar. Na terra, a hist�ria de Lu�s Miguel Pereira podia finalmente come�ar.

O pai, natural da cidade da Beira, Mo�ambique, quando deixou momentaneamente �frica para vir estudar na universidade em Lisboa, conheceu uma mulher linda de morrer � �a minha m?e�, diz ele com os olhos banhados de orgulho. Voltou casado com a bela-aparecida. Tiveram filhos. Lu�s veio ao mundo na antiga col�nia portuguesa do �ndico, nessa dourada Beira africana. Em 1976, devido ? violenta guerra civil que tinha deflagrado e que cada vez mais se tornava incompat�vel com a sobreviv?ncia di�ria, a fam�lia faz as malas e ruma a Portugal. Adaptou-se ? ponta da Europa. �Que rem�dio.� Um rem�dio chamado �sem alternativa.�

Na altura de cumprir o servi�o militar obrigat�rio, Lu�s n?o deu a volta, foi ? inspec�?o. Ficou apto. Fez a tropa. Nunca gostou de contendas, de tiros e de balas, mas em 1993, j� conclu�do o dever c�vico, rec�m-casado, alistou-se para ingressar numa comiss?o militar da Organiza�?o das Na�?es Unidas. A miss?o ONU-MOZ levou-o a Mo�ambique. O destino � assim. N?o avisa.

A 15 de Agosto de 1994, a uma semana de, finalmente, rever a cidade que o viu nascer, um acidente de via�?o nos arredores de Maputo, roubou-lhe com todos os dedos a liberdade. O destino n?o s� n?o avisa como � trai�oeiro. Da brutal colis?o n?o tem mem�rias. �N?o me lembro de nada.� Contam-lhe que era ele o condutor e que um cami?o sem luzes ia engolir o seu ve�culo. Para se desviar do choque, guinou o volante para sair da estrada.

A malograda pontaria estava num cami?o cisterna. Acordou, um m?s mais tarde, numa unidade hospitalar em Joanesburgo. Da �frica do Sul veio para o Hospital Militar na Estrela, e posteriormente, esteve em Alcoit?o.

De todos os ocupantes da viatura acidentada, Lu�s foi aquele que ficou mais magoado. �Fiquei assim� � frase habitual no Lar Militar da Cruz Vermelha. �Assim� � tetrapl�gico. Dito num jeito resignado, que chega a ser meigo.

H� quatro anos divorciou-se. Ainda viveu na resid?ncia dos pais, mas o facto da casa n?o estar preparada para um corpo dependente, e a sa�de da m?e n?o ter a for�a necess�ria para algu�m �que n?o se mexe�, levou-o, h� um ano e meio, ? resolu�?o: �Vir viver para aqui.� � a sua �ltima morada.

Miriam Assor

OBSERVAÇÃO DO ADMINISTRADOOR DO BLOG:

SERÁ QUE ALGUM DIA VIRA ALGUÉM FAZER JUSTIÇA?

2006-08-10

PORQUÊ ?

CANTATA DA PAZ Vemos, ouvimos e lemos Nao podemos ignorar Vemos, ouvimos e lemos Nao podemos ignorar. Vemos, ouvimos e lemos Relatórios da fome O caminho da injustiça A linguagem do terror A bomba de Hiroshima Vergonha de n�s todos Reduziu a cinzas A carne das crianças D'�frica e Vietname Sobe a lamenta�ao Dos povos destru�dos Dos povos destro�ados Nada pode apagar O concerto dos gritos O nosso tempo � Pecado organizado De Sophia de Mello Breyner Andresen FOTO DE ALBERT NANE

M�DIO ORIENTE

E f�cil n?o custa nada matar inocentes, crian�as, velhos, os mais desprotegidos, destruir cidades vilas e tudo o que aparece pela frente na m�quina de guerra, porque n?o h� acordo entre as partes em conflito ,�rabes , Judeus, depois Ingleses, Americanos Franceses e n?o sei quantos mais interessados nestes crimes que se passam no M�dio Oriente todos os dias. Vou apostar e at� n?o sou vidente ,dentro de pouco tempo vai aparecer o tal acordo e as armas v?o parar de fazer barulho, v?o deixar de matar ,v?o deixar de destruir e ent?o sim vem os abutres resolver tudo, multinacionais particulares, pa�ses ,prontos para a recupera��o e reconstru�?o de tudo o que foi destru�do . no final quem paga ? os povos S� que n?o v?o sarar as feridas que a guerra deixou, os mortos , dificientes , os �rf?os as vi�vas os vi�vos as m?es e pais que ficaram sem seus filhos. MUNDO MENTIROSO, HIPOCRATA ........